Monday, January 6, 2014

Saramago

Mas o que importa é o homem ou a sua obra? De Saramago ficaram os livros. Obras possantes, intrincadas, que falam de pessoas comuns em situações extraordinárias. Escreveu livros que me marcaram, livros que me deixaram indiferente, livros de que não gostei e livros que não li. Mas os verdadeiramente importantes, esses tocaram-me. O Levantado do chão, sobre a escravidão dos alentejanos durante o Estado Novo, lido aos 15 anos, ensinou-me sobre o poder da escrita na luta de classes, sobre a maldade e a resistência, sobre a água mole em pedra dura. O Objecto Quase ensinou-me a distorção da realidade pela fantasia e o impacto da imaginação sem rédeas. O Memorial do Convento ensinou-me sobre a máquina que o homem criou para esmagar o seu semelhante à sua vontade, História e Religião a rechaçarem um povo inteiro; e sobre o maravilhoso e o trágico que se esconde dentro de nós.

Mas, neste caso, o homem também é importante. Pela sua convicção, pela sua determinação, pelo seu empenho. Teve sete ofícios, porque o corpo come para que o espírito sonhe, mas afirmou-se numa carreira que Portugal sempre associou a estadistas e ociosos. E nunca abandonou os seus princípios e ideais políticos, que defendeu de peito aberto até ao fim. Abandonou Portugal por Lanzarote num acto de coragem, desconsolado com um regime político que o limitava como pessoa e desrespeitava como escritor. Fê-lo por si e por todos, porque um país que não se dá ao respeito não pode ser respeitado. E com esse acto causou agitação e fez pensar quem apenas tentava calá-lo. E é pena que os últimos anos de vida tenham sido debilitados pela doença, ou este verdadeiro português teria rugido até ao seu derradeiro suspiro. O que fez, mas ter-se-ia ouvido ainda mais. E é clamor que faz falta.   

José Saramago by Rui Zilhão 2012

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