Mark Gatiss e Steven Moffat, ambos argumentistas da série Dr. Who, apaixonados pela escrita de Sir Arthur Conan Doyle e pela literatura vitoriana, concluíram que uma adaptação do detective Sherlock Holmes para o novo milénio seria inevitável e que, se queriam ser responsáveis por ela, não havia tempo a perder. A proposta concreta chegou pelas mãos de Sue Virtue, esposa de Moffat, que sentou os três à mesa, durante uma entrega de prémios em Monte Carlo.
O projecto foi inicialmente pensado como uma entrega individual, com 60 minutos, mas a rejeição do episódio-piloto pela BBC foi acompanhada da decisão de, alternativamente, produzir uma série de três episódios, cada um dos quais com a duração de 90 minutos. A integrar a série Masterpiece Athologies da BBC Wales, os três episódios foram comissionados à produtora Hartswood Films, com Moffat a escrever o argumento do primeiro episódio, Gatiss o do terceiro e Paul McGuigan a realizar ambos. O episódio do meio veio da pena de Stephen Thompson e da objectiva de Euros Lyn.
Stephen Moffat, como responsável pelo guião do primeiro episódio, é quem põe o pé na porta. Já tinha adaptado para a actualidade Dr. Jeckyll And Mr Hyde, de Robert Stevenson, na mini-série Jackyll (2007), e revitalizado Dr. Who, por isso não espanta que o resultado seja extremamente refrescante. Acendeu-se uma luz em Baker Street.
Começando pelo pior, é possível adivinhar quem é o assassino momentos antes do próprio Sherlock, o que é mau para a reputação do investigador que consegue estar sempre um passo à frente do comum mortal, mas a ideia que fica é que Moffat não se preocupou realmente com isso, pois a narrativa está mais interessada em calcificar os personagens de Holmes, Watson, da governanta e até do Inspector Lestrade, para além de cimentar o ambiente em seu redor. Neste sentido, os diálogos são deliciosos. Rápidos, contundentes, na mouche. Por exemplo, a muito debatida homossexualidade do duo é abordada de forma discreta, mas directa e espirituosa. O resto, também lá está, sejam as deduções saídas da cartola, sobre detalhes que escapam às mentes menos analíticas, seja a actualização do cachimbo para os adesivos de nicotina; o mistério suplementar do irmão de Sherlock; a menção ao nemesis Moriarty; o facto de Watson puxar o gatilho para salvar o novo amigo; a peculiaridade do funcionamento do cérebro de Sherlock ser visto com desconfiança pelo Departamento de Polícia, que o considera um psicopata (I’m a highly functioning sociopath, diz Sherlock).
Ao fim de hora e meia, o primeiro episódio (A Study in Pink) de Sherlock é mais do que satisfatório. Paul McGuigan, o realizador, foi a escolha ideal. No cinema, as suas propostas mais interessantes são The Reckoning (2003), Há Dias de Azar (Lucky Number Slevin, 2006) e Push (2009), que têm em comum um bom sentido de ritmo e de enquadramento. Em Sherlock, McGuigan inovou com a sobreposição de imagens flutuantes que ajudam a entender as conjecturas do detective. Benedict Cumberbatch, Martin Freeman e Rupert Graves são actores adequadíssimos aos papéis de Sherlock, Watson e Lestrade. David Arnold e Michael Price compõem a banda sonora. Lamenta-se que, uma vez explicado, o mistério não fosse mais inteligente e que o criminoso não fosse apresentado de modo a adivinhar-se. De resto, como base para o crescimento de uma série, está no ponto.
O segundo episódio podia ter sido eliminado, no seu todo. É aborrecido e pouco inspirado. O realizador é um tarefeiro, o argumentista um falhado e os actores rapidamente se apercebem de que este episódio não vai ser tão bom como o anterior. Traficantes chineses e assassinos ninja não jogam com Holmes.
O terceiro e último episódio volta a subir a fasquia, mas não sabe o que fazer com ela. Os crimes acontecem numa sucessão surpreendente e Sherlock tem de encontrar as vítimas em prazos determinados pelo assassino, antes que seja tarde demais para cada uma delas. Algumas das conclusões não estão más, mas fica uma sensação de esterilidade. No final, revela-se Moriarty, consultor criminal, mas nem todas as pontas se unem com sabedoria. Em conclusão, uma mini-série que começa de forma brilhante e encerra de modo eficiente, mas que podia prescindir completamente do episódio do miolo e ter melhorado a conclusão.
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